Incentivo a Emissão de Notas Fiscais / Ou como recuperar algo que lhe pertence
Prefeituras e estados do Brasil estão, cada vez mais, aderindo a programas de incentivo à exigência de Nota Fiscal pelos consumidores. Em troca, prometem prêmios e o reembolso de parte do tributo arrecadado.
Os objetivos deste artigo são:
- Explicar em linhas gerais como funcionam a maior parte destes programa;
- Demonstrar os benefícios dos programas para os cidadãos;
- Dar dicas para melhor aproveitar os créditos;
- Fazer uma análise superficial dos programas sob uma ótica generalista.
O famigerado Tributo
A Nota Fiscal é um documento de emissão obrigatória por toda empresa comercial, de prestação de serviços ou indústria. É através desse documento que os fiscos federal, estaduais e municipais apuram e fiscalizam os tributos que são devidos pelas empresas. Toda Nota Fiscal deve discriminar o tipo e o montante de tributos envolvidos na transação.
Sem querer entrar no mérito do assunto, vale frisar que empresas não pagam tributos, consumidores sim. Basta termos a noção que todo tributo está embutido no preço. A empresa é um mero recolhedor do tributo pago pelo consumidor.
Em termos financeiros, tributo é o pagamento que os cidadãos fazem, compulsoriamente, ao estado, podendo ser um imposto, uma taxa ou uma contribuição de melhoria.
Mas porque os cidadãos aceitam pagar tributos?
De acordo com a Receita Federal do Brasil, parte dos recursos obtidos com impostos vai para programas de geração de empregos e inclusão social (plano de reforma agrária; crédito rural para a expansão da agricultura familiar; plano de construção de habitação popular; saneamento e reurbanização de áreas degradadas nas cidades) e outra parte é destinada a construção e recuperação de estradas; investimentos em infra-estrutura; construção de portos, aeroportos; incentivos para a produção agrícola e industrial; segurança pública; estímulo à pesquisa científica, ao desenvolvimento de ciência e tecnologia; cultura e esporte, e defesa do meio ambiente.
Engraçado que não foi citado o pagamento do funcionalismo público e suas despesas diretas e indiretas.
Em resumo, os cidadãos aceitam pagar impostos porque têm a expectativa de que o valor gasto seja devolvido ao coletivo através de serviços e melhorias que, individualmente, seriam mais difíceis de serem realizadas.
O que são os programas de incentivo à solicitação de Nota Fiscal?
Relativamente novos no cotidiano dos brasileiros, os programas de incentivo à solicitação de Nota Fiscal tem crescido por todo o Brasil. Cada vez mais prefeituras e estados lançam seus próprios programas.
Eles são um retrato da incompetência da administração pública na gestão de um recurso que é do cidadão. São frutos de uma máquina pública inchada, funcionando com burocracia excessiva e incapaz de fiscalizar o devido pagamento dos tributos.
Como não tem capacidade de fiscalizar, os órgãos municipais repassam essa responsabilidade ao cidadão estimulando-o a EXIGIR o documento fiscal a cada transação comercial. Em troca, devolve ao cidadão parte do valor gasto com tributos (no caso de Salvador e da cidade de São Paulo o valor devolvido é equivalente a 30% do ISSQN).
Exemplificando: Se o cidadão toma um serviço no valor de R$ 100 e nesse valor está embutido um ISSQN calculado a uma alíquota de 5%, temos que o tributo pago totaliza R$ 5. O cidadão teria, então, direito a receber de volta 30% dos R$ 5, o que daria R$ 1,50.
Além do reembolso de parte do tributo, os programas (pelo menos o de Salvador e da cidade de São Paulo) ainda realizam sorteios de prêmios em dinheiro. O cidadão recebe um número para concorrer aos sorteios sempre que tiver pelo menos uma Nota Fiscal emitida no mês. Recebe ainda um número adicional para cada R$ 20 (Salvador) ou R$ 50 (São Paulo) gasto. Confira na tabela abaixo:
São Paulo aparece duas vezes porque a distribuição dos prêmios varia mensalmente, de acordo com as duas possibilidades da tabela.
Nos dois programas, tantos os créditos quanto os prêmios podem ser utilizados para abatimento de até 100% do IPTU ou creditados em conta corrente/poupança do cidadão.
Qual a melhor forma de utilizar os créditos?
Receber o crédito na conta corrente ou utilizá-lo para pagar o IPTU? Qual a melhor opção? A resposta é: receber o crédito E utilizá-lo para pagar o IPTU.
Mais uma vez, o que está por trás da resposta é o conceito de Valor do Dinheiro no Tempo.
Ora, o cidadão terá direito ao crédito no mês seguinte ao da emissão da Nota Fiscal. Se tiver direito a crédito no mês de março e o IPTU vencer em fevereiro do ano seguinte haverá aí um lapso de 12 meses entre o direito e o uso do crédito no qual não haverá remuneração sobre o "capital parado".
Para ter uma ideia, suponhamos que o cidadão consiga entre reembolso e prêmios o crédito mensal de R$ 50, o que, em 12 meses, totalizaria R$ 600. Se esse valor mensal fosse aplicado na poupança, no momento do resgate o cidadão teria R$ 618,85 (+3,14%) a uma rentabilidade de 0,56% a.m.
Outra opção é aproveitar este crédito para pagar alguma dívida que por ventura se tenha. Por exemplo, supondo que o cidadão tenha uma dívida de R$ 1 mil no Cheque Especial a uma taxa de juro de 6,11% a.m. e só dispunha de R$ 50 por mês para saldá-la. Ao final de 12 meses sua dívida seria de R$ 1.188,93.
Ao acrescentar mais R$ 50 por mês para pagar a dívida o saldo final passaria ser de R$ 339,87. Uma dívida 71,4% menor.
Conclusão
Os programas de incentivo a emissão de Nota Fiscal nada mais são que uma desoneração tributária.
Para que seja vantajoso para os entes públicos, considerando apenas a devolução de 30% dos impostos aos cidadãos, sem levar em conta os prêmios distribuídos, a arrecadação teria que ser elevada em pelo menos 42,7%. Caso contrário o ente federativo perderia receita.
Especificamente para Salvador, considerando agora a distribuição de R$ 18,66 milhões em prêmios, significaria elevar a receita com o ISSQN de R$ 781,61 milhões para R$ 1.134,17 milhões. O que parece não estar previsto no orçamento municipal, uma vez que a previsão de receita com ISSQN para 2014 é de R$ 993,54 milhões. E na conta, por falta de informações da Prefeitura Municipal de Salvador, não levo em consideração os custos de se implantar e manter o programa.
No caso de São Paulo, que iniciou o programa em meado de 2011, ao compararmos a arrecadação com ISSQN de 2010 (não existia o programa) com 2012 (primeiro ano completo com o programa) percebemos uma elevação da arrecadação em 42,8% (de R$ 6,96 bilhões para R$ 9,94 bilhões). Porém, se levarmos em conta a inflação acumulada de 12,72% pelo IPCA a elevação real na arrecadação foi de 26,7%.
Os dados foram retirados do Portal da Transparência dos respectivos municípios: Salvador e São Paulo.
Portanto, até que os dados sejam revelados, estes programas não parecem ser benéficos aos cofres públicos.
Claro que, dado a carga de tributária de 40% do PIB brasileiro, qualquer desoneração do contribuinte é bem vinda. Portanto, o cidadão deve-sim buscar beneficiar-se desta desoneração tributária e dar melhor uso aos seus recursos.
Contudo, do ponto de vista econômico, faria mais sentido reduzir o tamanho da máquina pública, simplificar os processos e reduzir os tributos de forma efetiva do que criar métodos artificiais e onerosos com objetivo único de elevar a arrecadação.
Uma coisa que aprendemos em administração é que não existe almoço grátis. Mas quem pagará a conta deste almoço é outra história. O setor elétrico está aí para provar isso.
Pense nisso!
Um grande abraço e até a próxima!
Kleber Rebouças
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