O novo IPTU de Salvador e o seu bolso


O novo IPTU de Salvador e o seu bolso

A Prefeitura de Salvador promoveu, recentemente, o recadastramento de imóveis do município. Ao mesmo tempo promoveu mudanças no cálculo do IPTU. Você sabe como essas alterações impactaram no bolso do contribuinte?

Os objetivos deste artigo são:

  • Explicar qual é a legislação que regula a cobrança do IPTU;
  • Esclarecer quais são as principais alterações no cálculo do IPTU de Salvador;
  • Avaliar qual será o real impacto no bolso do contribuinte.






O Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU)


O Brasil é uma Federação, definida como "um Estado soberano composto por diversas entidades territoriais autônomas dotadas de governo próprio". E por assim ser, cada esfera (União, Estados e Municípios) possue suas próprias competências, inclusive no âmbito Tributário.

A Constituição Federal do Brasil, em seu Artigo 156, Inciso I, estabelece que é competência dos Municípios, entre outras, instituir impostos sobre "propriedade predial e territorial urbana". Além disso, ainda estabelece:

"§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)"

No âmbito do Município do Salvador, a Lei 7.186/2006, instituiu o Código Tributário e de Rendas do Município do Salvador. Em seu Art. 60 temos a definição do Fato Gerador para cobrança do IPTU: "propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel (...) localizado na zona urbana do Município". Já a Base de Cálculo para definição do valor a ser pago é definida nos Art. 64 a 66:

"Art. 64. A base de cálculo do imposto é o valor venal do imóvel.
Art. 65. O valor venal do imóvel é a quantia em moeda corrente que o Município toma como referência para apuração do imposto e deve representar, efetiva ou potencialmente, o valor que este alcançaria para venda à vista, segundo as condições correntes do mercado imobiliário.
Art. 66. O valor venal é apurado conforme avaliação realizada pela Administração Tributária, tomando-se como referência os Valores Unitários Padrão VUP constantes da Planta Genérica de Valores Imobiliários do Município e as características de cada imóvel."

A Lei 7.186/2006 estabelece ainda diversos critérios e pormenores para definição do valor a ser efetivamente pago e da operacionalização da cobrança do Tributo. Uma vez que o objetivo desse artigo é tratar das regras gerais, esses pormenores serão desconsiderados.

Além do já comentado, vale a pena ressaltar que a citada Lei estabelece, ainda, que pagamento do IPTU pode ser feito em até 11 parcelas, de fevereiro a dezembro (Art. 79), que o contribuinte que optar pelo pagamento integral até a data de vencimento da cota única ou da primeira cota contará com um desconto de 10% sobre o valor devido (Art. 79, §1º) e que estará isento, entre outros motivos, o contribuinte cujo valor a pagar, sem qualquer desconto, seja igual ou inferior a R$ 18,01 atualizado anualmente com base na variação do IPCA-E.


O contexto de Salvador

Segundo a Prefeitura Municipal de Salvador (PMS), o objetivo do recadastramento dos imóveis é planejar melhor a cidade e identificar as demandas dos serviços públicos. A falta de informação sobre os imóveis estaria atrapalhando a distribuição justa dos serviços públicos. Além da melhor qualidade do cadastro, será possível georeferenciar os imóveis. Esse seria um primeiro passo para que a PMS possa definir políticas públicas municipais localizadas. Segundo dados da PMS mais de 400 mil imóveis não constariam na base de dados atual.

Além do cadastro desatualizado, a Planta Genérica de Valores utilizada na composição do IPTU foi revista de forma geral pela última vez em 1994, com atualizações parciais em 1997, 1999 e 2010. Não era comum que os valores Venais utilizados para cálculo do IPTU estivessem defasados em mais de 2/3 do valor de mercado do imóvel.

Com as mudanças, a PMS espera aumentar a arrecadação municipal em R$ 480 milhões. Para fins de comparação, em 2011 a arrecação com IPTU foi da ordem de R$ 270 milhões. É notório, portanto, o prejuízo que o cadastro desatualizado tem trazido aos cofres públicos.


Na prática, o que muda?


O cálculo do IPTU é um pouco complexo. Depende, simplificadamente, do valor venal do imóvel, que é composto do valor venal do terrado e da construção e do valor venal da área excedente (quando a área do terrado ultrapassa cinco vezes a área construída). Há ainda a hipótese do valor ser majorado ou reduzido, conforme condições diversas. Por fim, junto com o IPTU é cobrada a Taxa de Coleta, Remoção e Destinação de Resíduos Sólidos e Domiciliares (TRSD).

São três os pontos principais que foram alterados:

1) Tabela de Receita

A Tabela de Receita é o anexo da Lei do IPTU que define as Alíquotas Básicas do Imposto. Até 2013, basicamente, havia a separação entre: i) terrenos sem edificação; ii) terrenos com edificação em andamento; iii) edificações residenciais e; iv) edificações não residenciais.

Os dois primeiros itens possuíam alíquotas progressivas de acordo com o tamanho do terreno. Quanto maior o terreno, maior a alíquota. Já os dois últimos também possuíam alíquotas progressivas. Contudo, essa progressividade dependia de em que Padrão o imóvel era considerado, podendo ser: a) Alto Luxo; b) Luxo; c) Bom; d) Médio; e) Simples ou; f) Precário.

Na nova Lei a Tabela de Receita está totalmente modificada. Some a classificação ii restando as outras três. Desaparece também a classificação dos imóveis segundo o Padrão, critério altamente subjetivo. Agora, os imóveis serão agrupados em ordem crescente segundo o seu Valor Venal e a quantidade de imóveis que serão taxadas por uma alíquota específica será determinada por um percentual do total de imóveis do cadastro, previamente estabelecido na Lei.

Veja como era e como ficou:


Não resta dúvida que um critério objetivo é mais desejável que um critério subjetivo. Contudo, a nova metodologia trará discrepâncias e incertezas para o contribuinte. Vejamos:

Imaginemos que o cadastro tenha 100 imóveis residenciais. Pela regra, 15% dos imóveis (15 imóveis) seriam enquadrados na faixa 4, portanto incidindo uma alíquota de 0,4%.

Uma vez que o que define se um imóvel pertencerá a determinada faixa é sua posição entre todos os imóveis do cadastro, teremos um imóvel como sendo o primeiro da faixa 4 (Imóvel 46)  enquanto teremos um outro imóvel que será o último da mesma faixa (Imóvel 60). Vamos supor os imóveis tenham, respectivamente, Valor venal de R$ 100 mil e R$ 110 mil. O IPTU do Imóvel 46 será R$ 400,00 enquanto do Imóvel 60 será R$ 440,00.

Digamos, agora, que o Valor Venal do Imóvel 45 (último da faixa 3) seja R$ 99,99 mil, R$ 10,00 (0,01%) menor que o Valor Venal do Imóvel 46. Ao calcular o IPTU teremos o valor de R$ 299,97. Ou seja uma diferença de R$ 10,00 no Valor Venal seria responsável por reduzir o IPTU em R$ 100,03 (25%). Situação similar pode, também, ser observada nos limites superiores de cada faixa. E nada impedirá que essa situação se dê por diferenças de R$ 0,01.

A incerteza está relacionada ao fato de que, como haverá entradas e saídas de imóveis do cadastro a cada ano, você nunca saberá em faixa seu imóvel estará enquadrado de forma definitiva. Continuando com nosso exemplo, digamos que tenha sido construído um novo imóvel com Valor Venal de R$ 50 mil. Esse novo imóvel "empurrará" todos os que estão "acima" dele. Assim, o Imóvel 45 que antes situava-se na Faixa 3 situar-se-á na Faixa 4. O Imóvel 60 que situava-se na Faixa 4 passará a situar-se na Faixa 5.

Em suma, seu IPTU poderá ser majorado mesmo que não haja alteração do seu Valor Venal, ou até mesmo, que este tenha se reduzido. Claro que o inverso também poderá ocorrer, caso a maior parte dos novos imóveis sejam de valor superior ao seu.

2) Valores Unitários Padrão (VUP)

A Revisão da Planta Genérica do Município é onde reside o maior impacto no bolso do contribuinte. Com valores defasados, a Prefeitura decidiu atualizá-la de forma integral em 2014.

Busquei informações sobre essa atualização mas não tive sucesso. Em nenhuma reportagem, nem no site da Secretaria da Fazenda da Prefeitura do Salvador, foi possível encontrar os valores de antes e depois de forma clara. Mas uma pista pode ser seguida clicando aqui. O link o levará para uma página da Secretaria da Fazenda de Salvador onde, de posse do número da inscrição imobiliária você poderá consultar o Valor Venal que está registrado na base de dados da Prefeitura.

Aconselho que, antes de fazer a consulta, tome chá de maracujina. Então, pegue o carnê do IPTU de 2013 e compare o valor com o que será apresentado pelo site. No meu caso o aumento foi de 221%. Se o aumento do IPTU seguisse essa proporção ultrapassaria R$ 1 mil. Há bem da verdade, no próprio site, há um alerta de que o valor informado serviria apenas para cálculo do ITIV (outro imposto municipal). Porém, isso quer dizer que a Prefeitura terá duas base de dados diferentes para valorar os imóveis? Difícil de acreditar.

3) Valor dos Imóveis Isentos

Para aprovar o projeto na Câmara de Vereadores, a Prefeitura teve que ceder um pouco a pressão dos oposicionistas. Com isso elevou o valor da isenção do IPTU do Valor Venal Máximo de R$ 30 mil para R$ 80 mil. Como, pela própria Lei do IPTU, o Valor Venal para fins de cálculo do imposto deverá ser 80% do valor apurado, isso significa dizer que imóveis com valor de mercado de até R$ 100 mil estarão isentos do imposto.

Com essa alteração, a Prefeitura estima que 500 mil imóveis estarão isentos do pagamento do imposto.


"O diabo não era tão feio quanto parecia"


A frase acima é atribuída a Arthur Sampaio, diretor da Fecomercio (veja reportagem). Como pano de fundo para a frase estava a afirmação do Subsecretário da Fazenda de Salvador, George Tormin, que em uma reunião havia dito que o reajuste, em nenhum hipótese, ultrapassará 14,1%.

A afirmação de Tormin é defendida em função de dois argumentos: i) A própria Lei do IPTU limitou o aumento a 35%; ii) Haveria um desconto de 10% para quem se recadastrasse e mais 10% para quem pagar o imposto à vista.

Fazendo as contas:


Realmente, 8% é um aumento razoável dado a defasagem dos valores da Planta Genérica. Mas, deixa eu colocar meu nariz de palhaço agora porque é assim que me sinto com essa conta feita por Tormin. Veja, o argumento dele é que NENHUM aumento será maior do que 14,1% (como se fosse pouco). Será?

  • Se eu não me recadastrar ou se não quiser/puder pagar a vista perderei 10%  em termos de desconto. Então, meu IPTU será R$ 469,57, aumento de 22%.
  • Se nenhuma das situações acontecer, o aumento será integralmente de 35%, com o IPTU de R$ 521,75
  • O desconto de 10% por pagamento a vista era algo que já existia. Se eu me utilizei desse desconto no ano de 2013, o IPTU que paguei foi R$ 347,83. Se terei que pagar R$ 417,40 (aumento de 20%); ou 26% se uma das duas situações de desconto não ocorrer; ou meros 50% se nenhuma das hipóteses ocorrerem.
  • O desconto de 10% pelo recadastramento terá validade para 2014 e 2015. Ora, esse fato, por si só, significará um aumento de 11% no IPTU de 2016, quando não esse desconto não mais existir. Isso sem contar possíveis reajustes em função da inflação.

Portanto, o diabo é, sim, tão feio quanto parecia!


E vamos que vamos!

Um grande abraço e até a próxima!


Kleber Rebouças

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